MotoGP Pais e filhos: Os Haslam
Numa série de artigos sobre este tema, vamos falar de algumas parelhas de duas gerações de pilotos, pais e filhos, de como chegaram a pilotos e o que atingiram, ilustrando ao mesmo tempo o quando mudou a vida do paddock nas corridas de moto.
Fruto da passagem do tempo, muitos dos pilotos da geração atual são já filhos, e em raros casos, até netos, de outros pilotos do passado… Decerto, ver os pais ter uma vida profissional de sucesso e crescer rodeados do ambiente das corridas terá tido um papel importante na escolha desses jovens, que às vezes parecia inevitável…
Por outro lado, há 50 anos, os pilotos começavam tarde a competir. Quando chegavam a reunir condições para correr, salvo raras exceções, na sua maioria eram homens adultos. Por vezes, por estarem ligados à mecânica ou por paixão por uma marca, queriam competir, mas frequentemente só o conseguiam após ter conseguido alguma estabilidade financeira.
Para conseguirem correr, tinham uma vida dura, viajando precariamente de corrida para corrida em furgões, trabalhando nas suas próprias motos, sendo frequentemente team manager, engenheiro e piloto e dormindo em tendas em acampamentos improvisados em redor dos circuitos, e o que deu origem à expressão “Continental Circus”.
Depois, a segurança das pistas e a atitude das organizações em relação a esta deixava muito a desejar. Todos os anos muitos perdiam a vida e há 50 anos correr era uma profissão arriscada. Quando o mesmo acidente horrendo custou a vida a Jarno Saarinen e Renzo Pasolini em Monza, um piloto que vira óleo na pista antes da corrida tinha avisado a organização, mas foi ameaçado com expulsão se não se calasse…
Segue que, com estes perigos e incertezas, a última coisa que um piloto queria para os seus filhos é que fossem também pilotos.
Hoje, isso mudou. Competir é um risco calculado e desfechos como o de Marco Simoncelli, trágicos como continuam a ser são, felizmente, já um acontecimento raro.
De facto, numa era em que as motos são mais rápida que nunca, passam-se épocas inteiras sem se perder uma vida, oque atesta da eficiência das medidas de segurança entretanto adotadas
Por outro lado, um piloto profissional de topo tem uma vida de milionário, assegurando em poucas épocas a sua independência financeira. Mesmo um do meio do pelotão pode fazer uma vida confortável, com remunerações muito acima de um emprego médio e trabalho garantido a seguir como consultor técnico, team manager ou comentador desportivo se o desejar… O que faz com que os filhos tenham uma maior tendência natural para seguir as pegadas dos pais.
Por vezes, tragédia tocou um dos membros da família, e a paixão é tal que mesmo assim não desencorajou os outros de continuarem na vida escolhida. Os irmãos Irlandeses Joe e Robert Dunlop ambos morreram em pista, (e ambos por razões estúpidas, já agora) e os filhos não só correm, mas um já perdeu também a vida a fazer a mesma coisa…
O piloto da Kawasaki nas SBK, agora passado para a Honda, Leon Haslam, teve dois tios que nunca conheceu, Terry e Phil, mortos em acidentes de corridas antes dele nascer.
Há quem diga que Phil era o mais talentoso dos irmãos Haslam, mais que o pai de Leon Ron, o mais famoso piloto que nunca ganhou um Grande Prémio (possivelmente nesse aspecto empatado agora com Colin Edwards).
Ron Haslam é bem conhecido de quem segue o Mundial há muito tempo, especialmente pelas suas proezas naquela estranha Honda 500 na ELF que testou uma série de soluções alternativas de chassis, monobraços, tirantes verticais em vez de guiador, etc. (dizia-me o meu amigo Chris Mayhew, que era o mecânico de Haslam na altura e ultimamente preparava as Honda da PRT com que Miguel Praia corria nas Supersport, que só na zona da frente de geometria alternativa a Honda ELF detinha cerca de 300 patentes).
Haslam, nunca tendo vencido com a moto, de facto até, de certo modo, por ter sacrificado os melhores anos da sua carreira ao seu desenvolvimento, transformou-a de um chasso inguiável numa proposta competitiva, que pelo menos liderava Grandes Prémios umas voltas e acabava no pódio frequentemente. Muito seguro e intuitivo, Haslam-pai raramente se lesionava, embora caísse ocasionalmente, marca de um piloto que também teve sucesso na Ilha de Man e ganhou o GP de Macau seis vezes nos anos oitenta…
O filho Leon, nascido em 1984, a principio, não manifestou grande interesse em correr, dizia que queria escrever livros infantis, mas depois, na adolescência, o chamamento falou mais alto e começou uma carreira marcada por pequenos sucessos e grandes desaires, como quando partiu ambas as pernas num acidente, estando afastado quase dois anos… Em termos absolutos, tendo ganho 5 corridas do Mundial de SBK e conquistado o título de Campeão Britânico de SBK em 2018, já teve mais sucesso que o pai, que teve uma distinta carreira, começando nas Yamaha patrocinadas pelo mecenas Mal Carter, passando a maior parte da sua carreira de Grande Prémio com a Honda – de tal modo que, quando nos planos técnicos das Honda NS500 se via a sigla RH (right hand, lado direito em Inglês) se dizia a brincar que queria dizer Ron Haslam,que era famoso por usar o seletor do lado “errado”.
Na fase final, Haslam pai voltou a correr em casa, com as famosas Norton rotativas decoradas com o negro da John Player Special… e claro, há muito que geria uma escola de pilotagem que passou de Mallory para Donington, ainda nais perto da sua quinta em Smallby, no condado de Leicestershire.
Haslam filho distingue-se, talvez, por ser mais esperto a gerir a carreira que o pai, e a dada altura contou-me que todos os anos tinha propostas para ingressar na MotoGP, mas não em equipas ou marca que o interessassem… Em termos da relação pai-filho, Ron confessou que nunca o encorajou a correr, mas que uma vez que viu o filho decidido, lhe deu todo o apoio… mas também é verdade que o nome de família e os consideráveis contatos de Ron ao mais alto nível na Honda, onde era respeitadíssimo, não podem ter feito mal nenhum… Ainda hoje, quando Leon participa de uma qualquer corrida, o pai é presença incontornável na boxe.
(continua)