Ilha de Man, a era de Hislop, 1992-1993

Por a 3 Setembro 2019 17:00

2019 marca exatamente trinta anos desde que Hislop se tornou o primeiro piloto a percorrer os 60 Km da Ilha de Man a uma velocidade média de 120 milhas, 193 km/h, mas três anos após esse feito histórico, ele envolveu-se no que foi posteriormente considerada a “Melhor Corrida de TT de todos os tempos” – o TT Senior de 1992 – quando ele pilotou a Norton NRS de 588cc para uma impressionante vitória de 4,4s sobre o arqui-rival Carl Fogarty.

Depois de quatro anos na Honda, onde venceu nada menos que sete corridas e quebrou repetidamente o recorde absoluto de voltas no TT, a marca dispensou os serviços de Hislop no final da temporada de 1991 e ele assinou um contrato para correr pela Yamaha.

No entanto, este novo acordo caiu apenas alguns meses antes do TT e Hislop viu-se à procura de motos em todas as classes. A equipa da Padgetts entrou em cena no último minuto para lhe fornecer uma Yamaha TZ250 para a Junior Race e a equipa Magic Wheels conseguiu arranjar uma Honda de 600cc para a Supersport.

Ambos eram pacotes vencedores, mas Hislop ainda estava sem moto nas corridas principais de TT Fórmula 1 e Senior, apenas algumas semanas antes da prova. Num acordo feito em 11 horas, Hislop garantiu um contrato com a Norton NRS de 588cc, com motor rotativo, como sua própria equipa. Apoiado pela empresa de segurança Abus e pelas pastilhas EBC, Hislop e sua equipa levantaram 25.000 libras para alugar uma das Norton da equipa oficial em apenas um mês, mas pintada de branco liso, em contraste com o preto, prata e ouro familiar do patrocinador habitual John Player Special usado pela equipa oficial, que vimos correr em Vila Real com Robert Dunlop.

Num projeto de última hora até a cor branca da moto era destinada a poupar tempo de pintura

Foi muito “David contra Golias”, pois Hislop procurou enfrentar o poder dos maiores fabricantes de motos do mundo com uma máquina artesanal e fora do habitual. A Norton tivera muito sucesso em circuito desde que estreou uma moto com motor rotativo no final da temporada de 1987, com inúmeras vitórias no Campeonato Britânico de Fórmula 1, 750 Supercup e até no Noroeste 200, mas esforçou-se para repetir esses sucessos em 1992 devido a uma mudança do quadro RCW fabricado pela Spondon para o quadro NRS fabricado pela Harris e uma mudança da borracha Dunlop para a Michelin.

Hislop só conseguiu uma sessão de teste na moto – apelidada de ‘White Charger’ – “Ataque Branco” – antes do TT, dando apenas oito voltas no total em Oulton Park. No entanto, ele chegou à ilha para enfrentar o emparelhamento de Phillip McCallen e Joey Dunlop e também Fogarty que, como Steve, tinham perdido os contratos com a Honda. Ironicamente, Fogarty aparecia na Yamaha OW01 Loctite de 750cc, deixada por Hislop pouco antes.

Apesar da falta de tempo na pista com a Norton não familiar e não convencional, Hislop mostrou novamente a sua maestria no circuito do TT com a volta mais rápida durante a semana de treinos a uma velocidade média de 121,38 mph. No entanto, não estava fácil e ele reconheceu ter tido vários momentos de arrepiar os cabelos enquanto tentava fazer com que o comportamento da moto fosse perto daquilo que ele gostaria.

Na primeira corrida da Fórmula 1, Fogarty estabeleceu um andamento escaldante e, a meia distância, Hislop estava em terceiro, quase um minuto abaixo do inglês, pois a Norton sobreaqueceu nas condições de calor desse dia. O drama ocorreu na quinta volta, quando Fogarty abandonou para deixar McCallen na liderança aos 18,8s.

Hislop tentou o máximo que pôde, apesar dos problemas, estabelecendo a volta mais rápida da corrida em 123.30 mph – apenas 1,6s fora de seu recorde de 1991 estabelecido na muito superior RVF Honda – na última volta. Não foi o suficiente e, embora tenha reduzido o déficit de tempo, McCallen conquistou a sua primeira vitória no TT por 12s.

Atingindo 310 Km/h, a Norton compensava nas retas o que perdia em curva

Embora Hislop lutasse com o comportamento da moto, a velocidade máxima não era um problema, já que a notoriamente rápida Norton tinha registado 310 km/h ao longo da reta de Sulby. Após a corrida de Fórmula 1, as mudanças foram feitas prontamente para o Senior, com o guarda-lama dianteiro removido para auxiliar na refrigeração, um vidro mais alto montado para proteger Hislop do vento às incríveis velocidades atingidas e um guidor mais largo e mais alto adicionado para ajudar a agarrar a moto e nas mudanças de direção, dando ao mesmo tempo uma posição de pilotagem mais confortável na relativamente pequena máquina.

No fim da semana de corridas, nem Hislop nem Fogarty tinham conquistado uma vitória e ambos estavam determinados a fazê-lo no Senior TT. Os dois haviam marcado a prova como a sua corrida final no TT da Ilha de Man, pois planeavam mudar em tempo integral para o Campeonato Mundial de Superbike no ano seguinte.

Aliás, Fogarty estivera para pilotar uma Ducati 888 preparada por Steve Wynne, o homem  que dar a vitória a Haiwood no seu regresso anos antes, mas quando a Loctite lhe acenou com muito dinheiro, Fogarty assinou pela Yamaha antes.

A Ducati 888 acabou adquirida em Portugal para a equipa da Pepsi, tornou-se campeã nacional ainda nesse anocom Pedro Baptista, e Terry Rymer fez algumas provas do Mundial de SBK com ela.

Voltando à Ilha de Man, as condições eram perfeitas em todo o percurso de 60 Km para o último dia da semana de corridas, e o Senior TT seria um clímax emocionante, com os dois pilotos a lutar pela vitória, trocando de posição ao longo das seis voltas inteiras.

No final da primeira volta, foi Fogarty, saíndo do número quatro, que liderou Hislop por 1,2 segundos depois de ter feito uma volta de 121,90 mph, com Robert Dunlop a apenas 3,4s em terceiro na segunda Norton. Na segunda volta, foi Hislop quem liderou. A sua volta de 123.09 mph tinha transformado o ligeiro défice numa vantagem de 2.8s quando eles fizeram a primeira paragem para reabastecer.

À meia distância, a liderança mudou novamente e Fogarty estava de volta à liderança – embora pela margem delgada de apenas um segundo. Robert Dunlop ainda ocupava o terceiro lugar, mas por essa altura, já era uma corrida de dois cavalos, pois o Irlandês já estava a 36s da liderança.

Na quarta volta e como se a corrida precisasse de mais emoção, Fogarty começou a encontrar uma infinidade de problemas na sua máquina, incluindo um escapame roto a custar-lhe potência. Hislop rodou a 123,27 mph para não só voltar à frente, mas liderar por uma margem um pouco mais confortável de 7,4s.

No entanto, Fogarty ainda não estava acabado e, embora a quinta volta tenha sido a primeira sem mudanças na liderança, ele reduziu a diferença em dois segundos para 5,4s. Hislop tinha perdido tempo precioso na segunda paragem, quando os seus mecânicos se atrapalharam com o tampão de combustível.

Foram necessárias algumas palavras do manager da equipa, Barry Symmons, que poderiam salvar a corrida, para acalmar a equipa: “Não entrem em pânico – trabalhem mais devagar!”.

A vitória ainda estava longe de decidida e, na volta final, Fogarty estabeleceu um novo recorde absoluto de 18 minutos e 18,8 segundos, igual a 123,61 mph – um recorde que duraria uns incríveis sete anos.

Não foi o suficiente, porém, já que Hislop estava apenas um segundo mais lento a 123,50 mph, também dentro do antigo recorde de volta, e assim conquistou a sua nona vitória no TT por 4,4 segundos para dar à Norton a sua primeira vitória no Senior TT desde 1961. Na época, foi o TT mais rápido da história, com a velocidade média de Steve nas seis voltas inteiras a 121,28 mph (206 Km/h).

Separados por mais de um minuto na estrada, o par nunca ficou a mais de 7,5 segundos de diferença no tempo corrigido ao cronómetro durante 6 voltas, 226 milhas e pouco menos de 2 horas de corrida. Foi uma conquista notável para Hislop e a sua equipa, pois nenhuma marca britânica ganhou o TT sénior desde então.

Fogarty nunca mais correu no TT da Ilha de Man e mudou para o cada vez mais popular Campeonato Mundial de Superbike com a equipa da Ducati de fábrica em 1993. Entretanto, Hislop optou por saltar o TT de 1993, mas seria tentado a voltar mais uma vez…

(continua)

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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