Recordar Paulo Gonçalves (1979-2020)

Por a 12 Janeiro 2020 13:25

por José Luis Abreu

Morreu Paulo Gonçalves

Paulo Gonçalves perdeu a vida no Dakar. Deixa um enorme vazio no desporto motorizado português. Abnegado como poucos, tinha um coração enorme e uma força de vontade inigualável. Morreu como um herói. Tal como tinha escrito no fato de competição. À família e aos amigos, o Motosport e o AutoSport endereçam as suas mais sentidas condolências.

“Um homem não chega ao fim quando é derrotado. Ele chega ao fim quando desiste!” Foi esta a frase encontrada pela Hero Motorsports para destacar a dedicação e abnegação de Paulo Gonçalves, que na etapa 3 deste Dakar, depois de ver o motor da sua moto partido, não se resignou à sorte e conseguiu manter-se em prova depois de mudar o motor da moto em pleno deserto.

Era assim, Paulo Gonçalves. Resiliente como poucos, provavelmente dos pilotos que melhor encarnava o espírito do Dakar. Se não o melhor. Partiu a fazer o que mais gostava, como um herói.

Paulo ‘Speedy’ Gonçalves perdeu a vida hoje, vítima de uma queda ao km 276 do setor seletivo do dia. Alertada às 10:08, a organização depressa enviou um helicóptero médico. Estes encontraram o piloto inconsciente, em paragem cardio-respiratória. Após uma tentativa de ressuscitação no local, o piloto foi transportado de helicóptero para o hospital de Layla, onde infelizmente se confirmou o seu falecimento. Aos 40 anos, Paulo Gonçalves competia no seu 13º Dakar.

Disputou a prova pela primeira vez em 2006, terminou o Dakar quatro vezes no top 10, conquistando um magnífico segundo lugar atrás de Marc Coma, em 2015, naquele que é ainda, e a par com Rúben Faria, o melhor resultado de sempre de um português na prova. Paulo ‘Speedy’ Gonçalves foi Campeão do Mundo de Ralis Todo o Terreno em 2013 e era 46º classificado nesta edição de 2020, no final da 6ª etapa.

Não há muitos pilotos que tenham marcado presença nas três ‘eras’ do Dakar. Paulo Gonçalves estreou-se no Dakar 2006, quando ainda se realizava em África, tornou-se num dos melhores pilotos da competição das duas rodas durante a fase do Dakar na América do Sul, e manteve-se no Dakar que este ano se realiza na Arábia Saudita.

Paulo ‘Speedy’ Gonçalves estreou-se na grande maratona pela primeira vez em 2006 e, desde então, terminou quatro vezes no top 10, com ‘tal’ segundo lugar em 2015, como o seu melhor resultado. Mas nem nem sempre a carreira de Paulo Gonçalves foi bafejada pela sorte, pois algumas quedas em momentos cruciais da sua carreira, levaram-no a atrasar o merecido reconhecimento público. Depois do seu título mundial de 2013, não foi por acaso que a gigante Honda resolveu adquirir na sua totalidade a pequena estrutura da SpeedBrain, uma máquina perfeitamente oleada e com muito de artesanal mas de eficácia a toda a prova. Acabaria assim por ser Paulo Gonçalves a ajudar a fazer voltar brilhar a Honda, quando toda a gente esperaria que fosse outro dos pilotos oficiais.

Na mesma edição em que o Dakar rumou ao Médio Oriente, Paulo Gonçalves iniciou um novo capítulo na sua carreira com o Hero Motorsports. Após cinco anos de sucesso com a equipa da Honda Monster Energy, o Campeão do Mundo de Ralis de Todo o Terreno FIM 2013 decidiu procurar um novo desafio com o ambicioso fabricante indiano, onde se juntou a muitos rostos familiares, incluindo o seu cunhado Joaquim ‘J-Rod’ Rodrigues.

O Dakar não tem foi muito gentil com Paulo Gonçalves nos últimos anos já que foi forçado a abandonar pouco antes da edição de 2018 devido a lesões no joelho e no ombro fruto de quedas em provas durante o ano. Em 2019, caiu na 5ª etapa e abandonou. Já em 2019, depois de boas provas com a sua nova moto no Rali Rota da Seda e no Rali de Marrocos, espera muito desta experiência no Dakar, mas o destino não quis assim.

OS PONTOS ALTOS

 

Dakar 2006: A estreia

Paulo Gonçalves estreou-se no Dakar 2006, juntamente com Hélder Rodrigues e Rúben Faria. Terminou a prova em 25º, mas se não fosse uma queda a obrigá-lo a cumprir 360 quilómetros com o guiador ‘preso por arames’, o resultado poderia ter sido outro. Com cinco resultados dentro dos dez primeiros, nas 13 especiais cumpridas contra o cronómetro, o piloto de Esposende teve uma prova muito positiva. “Aprendi muito desde o primeiro dia e, para ser franco, até mesmo a queda que dei foi uma grande e importante lição”, disse na altura o piloto da, então, Honda CRF450X.

 

Dakar 2009: O primeiro Top 10

Juntamente com Hélder Rodrigues, Paulo Gonçalves também brilhou no primeiros Dakar da América do Sul e foi aí que conseguiu o seu primeiro top-10. Paulo Gonçalves tinha no final da prova o sentimento do dever cumprido. O décimo lugar final satisfez o objetivo de um lugar no top-10 e só mesmo a vitória na classe 450cc escapou: “O balanço foi muito positivo pois cumpri o meu objetivo de ficar nos dez primeiros e fui segundo da classe, o que tem de ser considerado bom. Este Dakar foi incrível em termos de público e quando arrancávamos, às três e quatro da manhã, já tínhamos milhares de pessoas nas especiais para nos ver passar”, contou na altura o piloto da Repsol Honda Europe.

 

2013: Campeão do Mundo de TT

Herói nacional. Em 2013 Paulo Gonçalves tornou-se no segundo português a sagrar-se campeão do Mundo de motociclismo. Aos 34 anos, Paulo Gonçalves chegava ao topo de uma carreira notável que já incluía mais de 20 títulos nacionais distribuídos por Motocross, Supercross e Enduro. O piloto de Esposende foi o segundo português a sagrar-se campeão do Mundo, repetindo um feito já conseguido por Hélder Rodrigues em 2011 com a Yamaha: “É claramente o ponto mais alto da minha carreira. É diferente ganhar etapas no Dakar ou ser campeão do Mundo após toda uma época com seis provas e 36 dias de corrida. Ainda para mais contra um piloto como o Marc Coma. Ele veio dar-me os parabéns como grande campeão que é, e reconheceu que foi uma luta dura mas sempre ‘limpa’ ao longo de toda a temporada. Estive sempre nos primeiros lugares, só terminei fora do pódio na Argentina. Nos Sertões senti que podia realmente lutar pelo título e em Marrocos foi tudo perfeito”, referiu na altura.

 

Dakar 2015: Segundo lugar

Em 2015, Paulo Gonçalves igualou melhor resultado de sempre de um português na prova, repetido o feito de Rúben Faria em 2013, isto depois de ter estado na luta pelo triunfo, depois do seu companheiro de equipa, Joan Barreda ter tido problemas e perdido o comando da prova a favor de Marc Coma. A luta não durou até à meta já que a mecânica da sua moto, a exemplo do que sucedeu com alguns dos seus companheiros de equipa, fraquejou. O motor cedeu e a penalização correspondente deitou quase completamente por terra as esperanças de ‘Speedy’ poder lutar pela vitória até ao fim. Não chegou para vencer, mas foi mais do que suficiente para alcançar o seu melhor resultado de sempre na prova: “Estou contente com este segundo lugar já que foi uma posição muito disputada. Andei sempre pelo segundo e terceiro lugar toda a prova. Houve uma altura da corrida que fiquei na luta com o Marc [Coma] pela liderança, mas logo depois surgiu o problema no motor e os quinze minutos de penalização correspondentes acabaram por praticamente me colocar fora dessa luta. Na segunda etapa maratona perdemos o Jeremias [Israel] que cedeu o seu motor e fez com que eu pudesse celebrar o segundo lugar no rali, por isso tenho de estar contente por mim, pelo trabalho da equipa. Honestamente, penso que tenho os melhores colegas de equipa do mundo, obrigado Barreda, obrigado Hélder Rodrigues, obrigado Jeremias Israel, se não fossem vocês possivelmente eu não teria obtido este segundo lugar. Foram decisivos para que pudesse permanecer em prova”, disse Paulo Gonçalves na altura.

 

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