Armindo Neves (1970-2022), um apaixonado pela vida
O deserto levou mais um dos nossos. O deserto levou mais um homem que só queria cumprir um sonho e viver uma aventura.
O Armindo Neves era um apaixonado pela vida, um apaixonado pelas emoções fortes que o desporto motorizado lhe dava.
A primeira lembrança que tenho do Armindo é de o ver com uma Kawasaki numa Baja Portalegre 500 a que fui com o meu pai. O Armindo já lá andava há muito tempo – 1989 foi a sua primeira vez na mítica prova do Clube Aventura – e, por força da ligação do meu pai com a marca verde, conheci-o nessa altura.
Alguns anos mais tarde, volto a encontrar-me com o Armindo, desta vez em Avis. Ele convidou-nos para ir treinar numa pista de Motocross que tinha construído nas imediações da vila alentejana, bem perto da sua terra-natal, Benavila. E quando lá chegámos, ficámos de boca aberta!
O Armindo tinha desenhado um autêntico “pistão”, largo, rápido e com saltos grandes… aquele tipo de circuito em que todos os pilotos se divertem. Desse treino à ideia de ali organizar uma corrida de Motocross, foi um “pulo”. Provavelmente sem o saber, o Armindo criou o “palco” ideal para o nascimento de um campeonato que viria a ver crescer muitos dos grandes nomes do “offroad”, o Troféu Rómoto.
Depois de alguns anos sem nos comunicarmos, eis que as redes sociais nos permitiram entrar em contacto de novo um com o outro. Foi possível perceber que o Armindo “irrequieto” que eu conhecia se manteve igual com o avançar dos anos.
Ele passou pelos Rallies em automóvel, ele participou no campeonato nacional de Velocidade em moto, ele voltou ao campeonato nacional de Todo-o-Terreno – depois de 13 anos de ausência – com uma Honda XR400 toda recuperada… enfim, ele nunca parou de “alimentar” a sua paixão.
Vice-campeão nacional de TT na classe Veteranos em 2018, Neves não descansou enquanto não garantiu o título em 2019. Fiz-lhe uma pequena entrevista no final desse ano e ele foi rápido a dedicar o título ao seu pai. “Foi sempre um forte apoiante e também um apaixonado das corridas. É uma pequena homenagem que lhe faço e uma pequena retribuição de todo o apoio que ele sempre me deu para correr desde o início” disse-me o alentejano.
De facto, a paixão pela competição estava-lhe no sangue. Um dia perguntei ao Armindo se ele era um bom aluno na escola. A resposta foi “Sim. Tirando o passar grande parte do tempo nas aulas a desenhar motas, os meus Pais nunca tiveram grande razão de queixa. Ansiava sempre pelas tardes livres e visitas de estudo (ás quais não ia) para poder ir para casa e andar de mota (risos)”.
O Armindo dizia não ter ídolos mas pilotos que admirava muito. Disse-me ele: “o primeiro piloto que me lembro de imitar na minha bicicleta, com o número e tudo, a fazer saltos e cavalinhos como se estivesse numa pista de motocross, foi o Rodrigo Ribeiro. Piloto que vi travar grandes batalhas com o saudoso Fernando Neves, na pista da Ladeira em Ponte de Sôr”.
A nível internacional, estava-lhe na memória um mítico gaulês: “Aquele que talvez me tenha causado maior admiração por tudo o que fez, foi o francês Jean Michel Bayle. O primeiro europeu a ir bater os “invencíveis” americanos no seu próprio terreno, antes de se ter mudado para o mundial de velocidade pela Yamaha. Um fenómeno!”.
Ainda insisti para saber se ele não tivesse sido piloto, qual o desporto que teria escolhido para fazer competição?Respondeu-me de forma inequívoca: “Como sabes já competi em quase todas as disciplinas ligadas às duas rodas e também já fiz ralis e TT em quatro rodas, pelo que não me vejo a fazer outro desporto que não o desporto motorizado”.
Perguntei-lhe então: se te fosse dada a hipótese de treinar um dia inteiro com qualquer piloto nacional ou mundial. Quem escolhias? Pensava eu que o Armindo me ia dizer o nome de um qualquer piloto de ponta. A resposta não podia ser mais surpreendente: “Nesta altura gostava de passar algum tempo com alguém que me ensinasse os “truques” do deserto e a navegação. Talvez com o Franco Picco, uma verdadeira “raposa” do deserto e que, com 65 anos ainda participou na última edição do África Eco Race”.
Mas quando se falou de uma moto que gostasse de pilotar, aí o Armindo admitiu: “Se não fosse pedir muito, gostaria de testar a KTM do Toby Price, a Honda do Ricky Brabec e a Yamaha do Van Beveren!”
Apesar desta quase obsessão pela adrenalina proporcionada por um motor e umas rodas (duas ou quatro), o Armindo tinha as suas prioridades bem definidas. Para ele, na vida, “O mais importante é sem dúvida a Família, os amigos e todas as relações que vamos construindo ao longo da nossa vida. No final isso é o que verdadeiramente conta. E quem ainda não descobriu isso, anda desatento” disse-me numa entrevista em 2020.
A estreia nos Rally Raids esteve para ser em 2020 no Panafrica Rally mas a pandemia trocou as voltas a este projeto – no entanto, o objetivo foi sempre o Africa Eco Race… Escusado será dizer que o Armindo nunca desistiu dele e quis o destino que fosse esta a sua última corrida.
Quando em 2020 lhe perguntei que corrida ou campeonato sonhava ele um dia ganhar, a resposta disse tudo: “De momento o meu sonho é tentar participar no Africa Eco Race e chegar ao fim dessa prova. Essa é de momento a minha maior ambição desportiva.”
No dia 19 de Outubro de 2022, Armindo Neves sofreu uma queda a 3 kms do fim da segunda etapa do Africa Eco Race de 2022. Infelizmente, não resistiu aos ferimentos e faleceu.
O Motosport endereça a toda a família – em especial à sua esposa e às suas duas filhas – mas também a José Mira, seu mecânico e ex-piloto, as sentidas condolências da nossa equipa.
Descansa em paz, Armindo.