Os Manos. Por João Pais
Tergiversava a última crónica em torno de magias, feitos, outros que tais e quejandos na carreira de um daqueles nomes que se tornou intemporal, universal, em suma com acesso ao restrito olimpo de deuses que conhecemos em sua passagem terrena.
Versava essa crónica nem mais nem menos que a equação VR XLVI.
E agora, esta semana, falo do quê?
Como poderei ambicionar manter a bitola?
Andando eu neste mui íntimo dilema, eis senão quando me lembrei de que a divindade tinha um irmão e que nada mais lógico, sequencial e ao mesmo tempo salvador de vazios temáticos poderia haver que um fraterno e fresquinho Luca Marini.
Isso mesmo, Luca mano de Vale.
Se folhearmos a História no pedaço em que a guardamos para revisitas, encontraremos duplas, triplas e até quádruplas de manos que marcaram lugar lado a lado nas parangonas e relatos de feitorias que os haveriam de catapultar para a fama, senão vejamos:
Frank e Jesse James, que iriam da agricultura à canalhice, o trio de Metralhas que muito antes da Tech3 já equipava de laranja e azul, ainda os Dalton, estes em número de quatro, eis pois tanta gente que jantava entre si à mesma mesa se fosse essa a regra lá por casa.
‘Tudo bandido, só gatunagem’, dir-me-ão … com alguma razão admito, mas posso nomear os manos Jackson, um quinteto deles, e afinal de contas a razão do estrelato chega-lhes pelo canto, o que é inquestionavelmente aceite, com admiração até, poderia ainda buscar outro coelho à cartola, Apolo e Ártemis, gente fina, deuses do Olimpo e ainda por cima gémeos, dupla de manos que dificilmente vacilaria se desafiada à candidatura ao estrelato.
Posto isto, arranquemos para as irmandades que cabem neste escrito, sabendo de antemão que nem todas aqui serão chamadas à liça, vou pelas que actualmente mais tempo nos ocupam os écrans motovelocipédicos.
Digamos que, replicando vida fora a fantástica corrida que no início de toda a aventura vital os levou a serem os primeiros em primordial encontro de gametas, os genes desta gente parecem semear o mistério que encerra a junção destas duplas de fabulosos e irmanados homens das máquinas voadoras.
Crendo em boa verdade que não deixarão de pesquisar, tão logo tenham vagar, esta questão das gametas de velocidade pura, para o que vos concedo todo o tempo que desejardes, prossigamos pois então.
Se de Vale falei o que bastasse a semana passada, de Luca posso começar por dizer que nasceu mais ou menos uma semana depois de Valentino dar um ‘show de bola’ no GP do Rio de Janeiro montado numa Aprilia 125cc, e assim seria mais ou menos sua vida afora até aos dias de hoje, observando e aprendendo na intimidade do lar, até hoje que chega à categoria rainha para alinhar na espanhola Esponsorama, com a italianíssima Ducati, tudo muito à boleia da sigla VR, que pesa bem para além da soma de um V com um R, mais ainda se pintada de amarelo e antecedendo dois algarismos, um 4 e um 6, e com isto estamos conversados acerca de Luca.
Não presta?
Senhores, façamos um parêntesis, não há por aqui um único que não preste, pela simples razão de que a este circo só chegam os malabaristas da mais gabaritada arte e velocidade. O que não invalida que na distribuição caseira do dom de punho a fundo não tenha havido um certo desequilíbrio, chamemos-lhe assim, o que não deverá deixar Luca tristonho, tomara a todos os que por aqui me leem ter-lhe metade da inclinação para o mètier.
E de Luca saltemos para Alex, outro quase patinho feio lá do quintal, afortunado de meia fortuna, um gajo é rápido como muito poucos mesmo e vai-se a ver nem é o mais rápido lá da rua, raios partam Marc mano querido que levas ao ‘mai novo’ toda e qualquer esperança ou veleidade. E a possibilidade de, a tão prendado irmão, guardar o destino aquela porta entreaberta, melhor, aquela porta escancarada, para chegar a patrão novo, por aqui a confusão foi até em género de novela mexicana, entrando um para ir aprendendo com o outro, outro esse que acabaria por … nada acabar, caindo nos ombros do frágil, salvo seja, Alex a responsabilidade de terminar aquele puzzle de Mordillo que era a HRC do mano Marc, terminando por descobrir-lhe a utilidade de alguns ingredientes da receita, apresentando até corridas de boa conjectura, tornando mais bizarra ainda a decisão de reencaminhá-lo para o ‘anexo dos caseiros’ que é como quem sabe um modo de se viver no palácio sem entrar pelo portão onde repousa o brasão.
De novo estão a apontar-me injusta acusação… não presta Alex Marquez?
Repito, presta sim senhor, por aqui prestam todos, até Tito, de quem hoje não falarei, mas que se calhar merecerá seu holofote por estas bandas um destes dias.
Seguem-se Aleix e Pol.
Do primeiro apenas terão conhecimento mais profundo aqueles que por estas bandas andam faz muito tempo, e que se tornam íntimos de um paddock virtual onde todos passeiam, isto apenas porque em dezassete anos de corridas nos Mundiais, em que alinhou em duzentas e sessenta e três GP’s, o máximo que Aleix lhes deixou no sapatinho foram duas poles e dois pódios, sendo que nenhum destes o consagrou no degrau mais alto.
Já de Pol, perguntai a qualquer adepto de MO88 se lhe soa estranho semelhante nome e por certo terão resposta concisa e clara.
Pol? Vai de Metro Satanás.
Pol é bom de punho, vai bem com velocidades, já vos disse que por aqui não há fraca nem lenta gente, mas não é flor a quem se inale o aroma com sorriso de floricultor e ponto. E pronto. O mano de mais idade seguirá na Aprilia, de quem se dizem novidades prometedoras uma vez mais, o mais velho ajudou a empurrar o Marquez mais novo e dividirá a dor de cabeça Honda ainda não sabemos com quem, nem nós nem eles, assim parece…
Prosseguindo nossa Ruta de Los Hermanos, chegamos aos sul-africanos Binder, Brad e Darryn.
O mais velho é gente que conhecemos bem, companheiro de carteira de Miguel, tantas vezes olhando ali para o lado a modos de melhor captar as nuances do problema, assim como quem desenrola uma cábula legal e sem reprimenda do professor, quantas vezes não lhe desbravou o Falcão o caminho a percorrer na afinação da máquina e depois no acerto das curvas?
Miguel e Brad são bons companheiros nesta luta de galos, são duros porém leais, ainda que a lealdade de Binder se tenha uma vez desembestado de tal modo que em certa corrida ali para os lados de Jerez tenha conseguido dar cabo da fina porcelana de Miguel, que havia conquistado inédita P5 na Q2, e que acabaria por nem fazer a primeira curva, convidado a sair do asfalto por indelicado e estapafúrdio empurrão de seu parceiro.
Amigos como sempre.
Já Darryn, o mais novo mas não menos fogoso, tão depressa qualifica como se andasse a tirar a carta de condução, como a seguir chega à hora da verdade ‘quando a onça bebe a água’ e toma lá disto Evaristo, vem dos confins de lado algum até aos primeiros lugares, luta, esgravulha, conquista o quase quase, depois ou cai, ou tem-se mas não cai e deixa fugir o ouro, e com isto venceu uma vez, mais vencerá quando assentar as peças e acertar os parafusos. Espera-o a Petronas o que lhe é uma boa notícia.
E termino, ressalvando que muitas outras duplas os leitores irão reclamar a este espaço, mas frisando que foram estas que por umas ou por outras me foram cativando atenções sacadas em devotas manhãs de café na mão e olhos no ecran, termino dizia eu, com manos de promessa imensa e entrega de não tão profundo fulgor, falo de Deniz e de Can, e desta feita não vai nem mais velho nem mais novo, são gémeos e por aí o assunto não desempata.
Mas quem são estes manos Oncu?
São tudo, grandes promessas que foram campeão e vice-campeão na Redbull MotoGP Rookies Cup de 2018, o que não sendo coisa de barba rija é-o certamente belíssimo início de conversa.
2019 traria a ambos uma modestíssima classificação no Mundial de Moto3 e no ano seguinte veríamos Can a lutar com uma Kawasaki no WSSP, sendo que ao mano Deniz fomos entregando nosso apoio, quanto mais não fosse por trajar no asfalto com as cores da Tech3.
É fácil? É para todos?
Não, não é.
Mas é-o para lendas como a da semana passada, Valentino, e para manos que aos pares disputam as mais rápidas corridas do planeta.
E pronto, com a esperança de vos ter merecido, na crónica pós GOAT, despeço-me até terça-feira.
Gostaram? … partilhem, este espaço é vosso afinal, eu apenas apareço e escrevo.
Salve Jan! Vida em família, a pé ou de moto, ocá, mota, não é fácil. Irmãos, pais e filhos, primos, sobrinhos, muita cobrança, especialmente quando a referência é alta. Tema bem sacado e desenvolvido, como de hábito, seu puto. Bom fim de ano, super 2021 pra você e pra todos aí. Abraçow, irmão. Braaaap!
Salve Glorioso Fausto … obrigado pelo seu apoio permanente a este meu cantinho. Que 2021 o mantenha o’nosso comentador preferido’, oriundo desse enorme Brasil. Braaaap!
Sonho de ver novamente aquele “dream team” da MotoGP “Guto&Fausto”! Braaap!
P.S. Pode ser no WSBK…..
Todos sonhamos isso Alessandro! 🙂
Parabéns Jan Jan sempre a surpreender 👏👏👏
É que muitos aprendam com sigo só lá entra quem é bom
Bom ano e um grande bem aja
Abraço
Obrigado Paulo, bom saber que me vai seguindo! 🙂
Jan, tu és o Mestre dos comentários. Ponto muito bem abordado! Parabéns meu amigo. A cada dia que leio suas colunas, me interesso mais pela MotoGP.
Obrigado Caio .. mas creio que esta crónica enfrentará dificílima maré em sua captação de like .. .está entre o Natal e Ano Novo, pouca gente dando bola para ler e partilhar, ou mesmo para deixar sua impressão. 🙂 . mas obrigado por teu apoio permanente!
Outro grande texto João, abraço e bom ano novo!
Abraço Pedro .. nunca vacilas no apoio por aqui! 🙂
Sempre com grande nota artística!👌
A malta esforça-se. 🙂 … mas nesta altura de quase Ano Novo, vamos lá ver quantos lerão a crónica… 😉
Difícil ter Manos vencedores nas categorias TOP…os Schumacher tentaram na F1…os Marquez tentam no MotoGP, além do Luca mano do Vale…
O lugar ao Sol é disputado por lá e ser Mano as vezes complica até mais, pois a comparação é compulsória!
“Off Topic”, para ver o quão difícil é perseverar no mundial do MotoGP, lembro sempre do Dani Kent, campeoníssimo de 2015 no Moto3, tendo batido ninguém menos que o nosso ultra-competente Oliveira e hoje por onde está, além do BSB…(sem diminuir este campeonato).
Desejo um 2021 de muitas realizações ao canal MotoSport, ao Senhor João Pais e todos colegas leitores!
Bom ano de 2021 Alessandro, e obrigado pelos comentários.
Top!
Obrigado Diogo.
‘Senhores, façamos um parêntesis, não há por aqui um único que não preste, pela simples razão de que a este circo só chegam os malabaristas da mais gabaritada arte e velocidade. ‘ Totalmente acertado, são todos mesmo bons.
🙂
Boa cronica, como nos tens habituado.
venha jà a proxima terça…
Obrigado Nugas .. a próxima está escrita . .é um resumo de 2020 . .mas em formato surpresa! 🙂
Muito bom João Pais.
Tema muito interessante.
Fantástico.
Bom final de Ano e um 2021 cheio de coisas boas…..crónicas , corridas, etc …
Obrigado Jorge. A próxima será uma surpresa, creio bem. Bom ano de 2021 para ti.
Já não sei que diga. De semana para semana a modos que… Melhora quando já não dá para melhorar! Gente, estamos a falar de motas! Mas com poesia na forma de crónica… E terça que é só para o próximo ano…!
Rui, enquanto houver leitores que apreciem esta viagem diferente pelo mundo das motas, cá estarei a dar o meu melhor. E para a semana, nessa primeira de 2021, prometo voo arriscado. Muito mesmo .. 🙂
Jean à uns anos atrás vi uma entrevista a um dos irmãos mais novos de Maradona em que lhe perguntaram se quando fosse mais velho queria ser como o irmão.
Ao que ele respondeu.
Não porque o meu irmão é marciano.
É o que se passa no clã Rossi e Márquez, nos outros clãs é tudo normal.
Um abraço, feliz ano novo.
Força MO88 vamos por mais.
Feliz Ano Novo, Luis. E essa resposta do irmão do Diego Armando é .. .lucidez em estado puro. Obrigado por estares sempre aqui a comentar e a ajudar-me a melhorar!
Um bom tema…. há mais manos…Haverá sempre um que é a estrela e o outro o patinho feio, e nem sempre os genes trazem o mesmo talento….
Há mais manos sim … mas não cabiam todos. E estes ‘patinhos feios’ ainda assim andam que se desunham. 😉