MotoGP à Lupa, 2020: 9 – Os pneus

Por a 15 Dezembro 2020 17:00

De todo os factores que se conjugam no desempenho de uma moto de corrida, os pneus são talvez o fator mais crítico, pois o seu desempenho afeta todos os outros aspetos

os pneu são categorizados, de acordo com a sua mistura e dureza, em macio, médio e duro

Se os pneus não estiverem a funcionar de nada serve ter a moto mais potente. Os melhores discos de carbono são inúteis se o pneu não aguentar passar ao chão as forças de travagem… e a mais sofisticada eletrónica de nada serve se na hora de passar a potência ao asfalto, o pneu falhar…

É crítico acertar a mistura, temperatura e perfil dos pneus numa moto de MotoGP, já que são a única parte de moto em contacto com o asfalto (quando tudo corre bem!) e eles são responsáveis por passar as forças geradas pelo movimento ao alcatrão e assim permitir andar rapidamente.

Essas forças, claro, incidem sobre o pneu traseiro durante a fase de aceleração e sobre o pneu dianteiro durante a fase de travagem, e o seu acerto é absolutamente essencial para a conclusão de uma volta rápida.

Ao acelerar o mais cedo possível a sair de curvas, é a traseira que joga, mas a outra fase igualmente crítica, a incidir sobre a frente, é a travagem, até porque dela depende a confiança do piloto, sem a qual nada é possível.

Como sabemos neste momento, há duas marcas de pneus em MotoGP, a Dunlop que trata das classes mais pequenas em exclusivo e a Michelin que tem a seu cargo igualmente de modo exclusivo, o fornecimento de todas as equipas de classe rainha. Em termos de alocação, para efeitos de controlo e igualdade de circunstâncias,  há um total de 22 pneus à disposição de cada piloto em cada Grande Prémio.

Estes separam-se em 10 frentes e 12 traseiras no seco, e adicionalmente dentro desses 22 pneus há três misturas à escolha, basicamente designadas por Macio, Médio e Duro.

Se o piloto tiver que participar em mais uma sessão de qualificação por não saltar diretamente para a Q2, tem direito a mais um jogo de pneus.

Em caso de chuva, os pilotos têm 13 misturas específicas de chuva à disposição para lidar com as pistas molhadas, mais uma vez em três diferentes misturas separadas em seis dianteiros e sete traseiros.

Ao mesmo tempo, se quatro das sessões de treinos de sexta e sábado forem no molhado, as equipas tem direito a mais um jogo de pneus por piloto.

Além disso, para treinos oficiais durante a época, as equipas tem à sua disposição mais 120 pneus por piloto para utilizar em testes.

Como vimos, os pneu são categorizados, de acordo com a sua mistura, em macio médio e duro e em termos dos pneus de chuva, extra macio, macio e médio.

Claro que as diferentes durezas do pneu variam de circuito para circuito, por exemplo o que numa pista seria considerado um pneu médio, noutro circuito mais agressivo em pneus pode ser considerado um pneu macio.

Muito se tem falado também dos pneus assimétricos, e é fácil de entender como estes são, e a que se destinam: numa qualquer pista que tem normalmente mais curvas à direita que a esquerda, ou seja, um circuito que seja na direcção dos ponteiros do relógio como o Estoril, Barcelona ou Jerez, o pneu arrefece mais do lado esquerdo menos solicitado por encontrar menos curvas, e portanto, precisa de ter uma mistura mais macia desse lado. Ao mesmo tempo, também pode ser mais macio e assim oferecer maior aderência, porque ao ter menos curvas vai passar menos tempo em esforço e logo, resistir melhor ao desgaste.

Em cada traçado, são os técnicos da Michelin que analisam os dados como temperatura do asfalto e do ar em detalhe, para assegurar que pneus deveriam ser oferecidos em cada pista aos pilotos para melhor desempenho.
Tal como nas motos de estrada, é a parede do pneu que nos dá toda a informação, no caso de competição, um bocado mais críptica, pois não é para ser entendida por todos: Há um código de barras que diz a que piloto pertence, a data de fabrico, o número de série e outros dados internos da Michelin para adaptar o pneu ao circuito.

Depois há uma linha colorida, sugestão que fizemos à Dorna há mais de 10 anos, e levou muito tempo a implementar, e que indica o tipo de mistura, para que o público possa reconhecer mais ou menos imediatamente que grau de pneu está a ser utilizado.

No seco, há uma tira branca para macio, amarela para duro e não há tira nenhuma se for uma mistura média… quando chove, as cores são azul claro para extra macio, azul escuro para macio e branco mais uma vez para médio.
Quando às temperaturas as equipas tem que se cingir às pressões recomendadas pela Michelin, tendo havido casos de pilotos desclassificados por terem sido fiscalizados fora destes parâmetros.

A pressão fica habitualmente entre 2 bar para a frente e 1,8 bar para a traseira, isto porque a traseira funciona achatando o pneu sob aceleração para obter uma superfície de contacto maior com o asfalto.

Os pneus são insuflados com ar desidratado, para que a presença de vapor de água não faça variar a pressão à medida que a temperatura sobe no pneu.
A utilização de uma pressão incorreta, levando a temperaturas fora do normal, pode causar deformação dos pneus e portanto desgaste prematuro.

Falando das temperaturas, a dianteira atinge os 100° e no caso da traseira, as coisas são ainda mais extremas, com o pneu a funcionar a 120° Centígrados.

No caso de pneus de chuva, a gama de temperaturas oscila entre os 60 e os 80°. A Michelin específica que os pneus tem que estar nos aquecedores uma hora antes da saída para a pista para aquecer o pneu consistentemente, recomendando-se até em  alguns casos duas horas para atingir uma temperatura de 90° no seco e 40° à chuva.

A leitura das temperaturas do asfalto, e portanto, as decisões sobre pressões finais é feita pelos técnicos da Michelin e todos estes dados são cuidadosamente compilados antes de cada sessão, sendo a última decisão sobre escolha da mistura  usar, porém, a sensação do piloto e a sua preferência.
O que não muda numa moto de MotoGP é que o pneu tem que lidar com forças consideráveis, que no caso da aceleração são passadas à estrada numa superfície de contacto pouco maior que a palma de uma mão.

A borracha da traseira tem que aguentar com mais de 2.200 Newtons, ou 224 quilos de força, e durante a travagem as forças que se transferem para a dianteira equivalem a 1,5 G, com ainda mais força a passar pelo pneu, cerca de 2.500 Newtons ou 254 quilos.
Adicionalmente, as forças laterais provocadas pela força centrífuga a atuar na moto atingem os 2.000 Newtons, ou 203 quilos.

Considerando todas as forças exercidas a diferentes alturas em diferentes direções e mudando constantemente a cada poucos segundos ao longo de uma pista, não é portanto de estranhar que os pneus cheguem ao fim frequentemente completamente desfeitos, e a sua relação com a afinação de moto e com as sensações do piloto continua a ser, talvez, o mais importante fator de desempenho na MotoGP!

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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