MotoGP, 2021, Assen: Os perigos de exagerar
Uma série de incidentes recentes em pista, punidos com mão pesada pelas organizações, ilustram o perigo de criar o efeito oposto ao pretendido ao exagerar
Cada vez mais, as direções de prova tem à sua disposição um vasto leque de penalidades, que vai desde a simples perda de vários segundos à imposição de voltas longas, drive–thrus ou arranques do pit lane, e podem ir até à desclassificação, imposição de pesadas multas em francos suíços, ou até a banir um piloto, como aconteceu a Fenati há algum tempo.
Claramente, estas medidas for instituídas em nome da moralização da modalidade, privilegiando a segurança sobre tudo o resto. O problema é que tudo o resto pode incluir, por vezes, a verdade desportiva.
Por exemplo, em termos dos limites da pista, ajudados pelas novas tecnologias eletrónicas, a posição de passagem de um piloto medida por células torna-se indiscutível, ou está dentro dos limites ou não está.
A adoção dos meios eletrónicos e digitais visa eliminar o erro humano, mas também elimina o discernimento humano ao mesmo tempo.
E o problema é mesmo esse. Agora, com vários exageros nítidos nas penalidades, que foram detetados ao longo das últimas corridas, e ecoados por comentadores em todas as línguas e mercados, é a verdade desportiva que está a ser comprometida.
Se percebemos bem, porque ainda nos custa a acreditar, num incidente recente o Americano Joe Roberts foi penalizado por cair com bandeiras amarelas.
Sim, leram bem, penalizado POR cair. Seguimos os Grandes Prémios do início dos anos 80, portanto há quase 40 anos, e nunca tínhamos ouvido falar de um piloto ser punido por cair – como se a queda não fosse já punição suficiente!
Ora, as bandeiras amarelas agitadas obrigam um piloto a reduzir o andamento. Não é, portanto, de todo impossível, que o piloto, ao desacelerar ou tocar nos travões para obedecer, se estiver em plena inclinação, caia e portanto, foi punido por ACATAR a instrução das bandeiras!
Noutro incidente nas Moto2, Jake Dixon veio colidir com Augusto Fernández, ou melhor, Fernández encostou-se ao inglês do lado de fora e apertou-o e Dixon não tinha para onde ir – se travasse, caía, e arrastava o outro, se não travasse, colidia com o Espanhol, que foi o que aconteceu.
Além de ambos ficarem de fora, pois Fernández caiu e Dixon viria a acabar em último, Dixon foi posteriormente punido com uma volta longa, no que foi um incidente de competição sem qualquer culpa do piloto. Ou seja, não só estragou essa corrida, mas a seguinte também.
Neil Hodgson, piloto ex-campeão mundial de vasta experiência e agora um dos comentadores televisivos da prestigiada BT1, analisou o incidente no ecrã usando ecrãs com paragem da imagem frame a frame e câmaras lentas, explicando porque Dixon não teve qualquer culpa do incidente e, de facto, não podia ter feito outra coisa, com que todos podem concordar.
Para mais, e ainda por cima, a organização da Dorna é maioritariamente espanhola, com um par de ingleses atirados para o meio em nome da necessidade de falar, e redigir bem, as regras. Assim sendo, qual foi a culpa de Dixon? Não ser espanhol?
Já nos tempo de Miguel Oliveira no CEV esse facciosismo era, por vezes, bastante evidente, e embora no Mundial tenha de ser exercido mais discretamente, ainda lá está…
Ao longo das época recentes, vimos manobras agressivas de Márquez atirar um piloto atrasado para fora que ficaram impunes por quem comete a falta, aparentemente, contar mais do que a falta em si.
Agora, NADA fica impune e o pêndulo do exagero virou para o outro lado, aparentemente eliminando o bom senso e o discernimento que um Diretor de Prova tem sempre de levar em conta.
Ainda no recente pódio de Oliveira em Mugello, a organização preparava-se para o desclassificar por pisar 5 cm de verde, mas quando percebeu a complicação em que se iriam meter por isso colocar Mir, um Espanhol, à sua frente, “inventou” que este tinha feito a mesma coisa para deixar o resultado ficar.
O problema mais vasto, para lá da imediata frustração e possível desmotivação do piloto castigado, protestos das equipas, etc., atua em duas frentes, que a médio e longo prazo vão ter implicações bem mais nefastas.
Uma, e isto acontece gradualmente, é que o espetador casual que não é um especialista a ponto de se preocupar a ler os regulamentos de fio a pavio e quer apenas divertir-se a ver corridas competitivas e próximas, vai ficar frustrado com regras que não percebe ou acha justas e desinteressar-se.
Se querem um exemplo de quantos há destes fãs superficiais, comecem a notar nas conversas quantos seguem vagamente o Mundial mas ainda se referem à MotoGP como “as 500”. Não há 500 no Mundial há 20 anos. Outros ficam0 muito surpreendidos quando lhes explicamos que as “250” são agora 700 a quatro tempos.
Como não é viável exigir que todos os espetadores sejam “experts” na técnica e nos regulamentos, esta confusão, claro, vai resultar numa baixa das audiências de MotoGP, que não é boa para ninguém.
A outra, um bocadinho mais adiante na estrada da promoção do Campeonato, é quando as equipas forem bater a portas para patrocínios.
Excluindo um pequeno grupo de fanáticos, maioritariamente em Itália e Espanha, os diretores de marketing pouco ou nada sabem ou percebem da competição, e antes de decidir por patrocinar, irão informar-se do campeonato que potencialmente iriam apoiar, lendo notícias.
Se o que lerem sobre esse campeonato é que este está descredibilizado por ter cada vez mais corridas resolvidas na secretaria e não na pista, vão decidir investir noutro lado. Os patrocínios, já de si difíceis de assegurar, vão-se tornar ainda mais escassos, e mais uma vez isto resultará numa baixa, neste caso do número de equipas presentes.
De uma forma ou doutra, quer com menos espetadores, quer com menos equipas, é em última análise, todo o campeonato que fica mais pobre.
Assim, o que começou por ser uma medida perfeitamente compreensível em nome da segurança, (ironicamente quando há menos fatalidades nos Grandes Prémios que nunca, graças a grandes melhoramentos também na segurança passiva, na qualidade dos equipamentos, distâncias em Pista das zonas de gravilha, etc.,) arrisca agora tornar-se num exagero que vai desprestigiar o Campeonato e torná-lo mais pobre.
Há um espécie de regra do direito comum que reza que, em dúvida entre a corporação e o individuo, ou seja, entre o grande e o pequeno, se acaba por dar sempre o benefício da dúvida ao indivíduo.
É pena que aqueles que tem a faca e o queijo na mão continuem a ignorar isto com a sua prepotência, arriscando-se a arruinar o desporto que todos amamos.
Muito obrigado por mais este excelente artigo analítico, Sr. Paulo Araújo. Foi através das suas reportagens na Motojornal que comecei a acompanhar atentamente o Mundial de Velocidade desde o final dos anos 80. A presente situação é surreal, como é possível exigir, ainda que aos melhores pilotos do mundo, que se domine uma máquina daquelas com uma precisão cirúrgica??? Não é no inverso que reside a espetacularidade e beleza plástica do Mundial de Velocidade? Na temporada passada na Áustria um piloto (JMartin?) foi penalizado por exceder em 1 Centímetro!!! o limite da pista!!! Isto é real ou é uma mera operação de marketing para a tecnologia de medição??? A Dorna está a repetir o erro que o anterior promotor cometeu nos meados anos 90, que tanto criticou e explorou, quando os GP’s eram tão previsíveis e aborrecidos que o Mundial perdeu quase todo o interesse e levou à crise que antecedeu a revolução dos regulamentos. Atualmente, se quero ver competição moto vejo a Moto3!!! A Moto2 não vale a pena e o MotoGP vejo e acompanho devido ao MO88. É uma triste situação e uma mentalidade tacanha o nacionalismo bacoco da Dorna. Veja-se, também, o preço da cobertura do Mundial no site oficial comparado com outros campeonatos mundiais motorizados. Cumprimentos.
Infelizmente, como se diz na política, poder total cria corrupção total… A Dorna não tem ninguém para lhe fazer frente e quem se atrave a criticar abertamente (veja-se o meu amigo Anthony West) é banido ou posto de lado como o Stoner…