As mais belas motos de GP, 27: A CZ500 V4 Tipo 860

Por a 15 Janeiro 2021 16:30

Conhecido como Tipo 860, o design remonta a 1965 e foi visto pela primeira vez como um protótipo de 350cc, mas limitações de financiamento condenaram a moto Checa à partida

Para 1971, o motor cresceu em tamanho para 418cc e um novo quadro foi projetado, usando o motor como membro portante

A ideia surgiu depois de um ministro do governo comunista checo ter reparado que as equipas europeias do Mundial tinham maquinaria muito mais exótica do que a fábrica da CZ e dado ordens de atualizar a gama.

Embora competitiva contra a concorrência da época, menos com as MV Agusta de 4 cilindros, a fábrica Checoslovaca CZ (Česká Zbrojovka, ou Armas Checas) de Strakonice usava modelos monocilíndricos algo ultrapassados, ainda baseados nas máquinas do pós-guerra.

Assim, um complexo design V4 foi projetado pelo designer da CZ Frantisek Pudil e apresentado ao governo, eventualmente sendo o projeto aprovado, mas com um orçamento muito limitado.

Devido à grave falta de componentes e mão de obra adequada, apenas Pudil e o seu assistente tinham tempo para trabalhar no projeto, e a máquina final só ficou pronta no dia anterior ao GP da República Checa, em 1969.

A falta de tempo de desenvolvimento mostrou-se nos problemas do motor durante o primeiro treino e a equipa foi forçada a correr com a maquinaria desatualizada na corrida para salvar face.

Testes mais sérios e rigorosos foram concluídos durante o inverno de 1969/70 e na temporada seguinte já se viu a versão de 350cc V4 competir, embora os problemas de fiabilidade permanecessem durante todo o ano.

Para 1971, o motor cresceu em tamanho para 418cc e um novo quadro foi projetado, usando o motor como membro portante.

O coração da máquina que iria competir nas 500 era o motor, um V4 DOHC a 90 graus arrefecido a ar com uma capacidade de 418 cc e diâmetro e curso de 55 x 44 mm. Inicialmente, o motor debitava 72 cv às 13.600 rpm, e apesar de um binário de 37 Nm às 10.000rpm, aí residia logo uma das suas fraquezas, pois com a precisão da maquinação limitada, a esses regimes as quebras eram frequentes.

A carburação estava a carga de quatro Dell’Ortos de 28mm e a transmissão de 6 velocidades ligava à corrente através de embraiagem seca.

Pela primeira vez, muitos componentes ocidentais foram empregues nas máquinas CZ, como garfos Ceriani e travões italianos, que foram montados no protótipo, e pneus Dunlop também usados, ajudando muito o comportamento e desempenho.

O quadro era uma robusta e pesada treliça em tubo de aço, que apenas envolvia o motor lateralmente, e garfos telescópicos Ceriani de 36mm, com amortecedores traseiros CZ, completavam a especificação com travões de 4 calços Oldani de 230mm, e um tambor traseiro de 200mm.

A exótica máquina atingia uma velocidade máxima de 265 Km/h, mas um fator que impediu o desenvolvimento foi a falta de instalações de teste, pois a maior parte da pilotagem em testes era concluída em estradas públicas em torno da fábrica, com as sessões de treinos nos GP sendo as únicas vezes que as CZs puderam andar numa pista de corrida de verdade. O design original da 350 usava uma caixa de 8 velocidades, mas esta foi logo substituída por uma unidade de 6 velocidades para cumprir as novas normas da FIM.

O calcanhar de Aquiles do design era o seu peso total, bem como a falta de financiamento, e materiais exóticos, no bloco de leste, que significava que a 500 Tipo 860 mostrava na balança 142 Kg, cerca de 37kgs a mais do que a MV Agusta líder da classe, além de que a máquina italiana também produzia cerca de 90 cv por isso era mais potente também.

A máquina Checa nunca esteve à altura de bater a MV, mas foi a melhor das restantes, normalmente nas mãos do piloto chefe da fábrica CZ, Bohumil Stasa.

Em 1968, Stasa foi 5º na Alemanha, o único resultado nos pontos a caminho de 21º no Mundial.

Em 1969, ficou ainda pior em 23º apesar de ter tido um pódio em Brno e um 9º no Ulster e a marca foi 13ª no Mundial, testemunho da variedade de marcas presentes que incluíam além da dominante MV Agusta, a Norton, Metisse, Paton, Linto, Aermacchi, Seeley, Matchless, Triumph, e Bultaco.

Assim, a marca concentrou-se na classe de 350, onde o seu melhor resultado em GP foi em 1972, na 350 V4, quando terminou em 2º lugar atrás da Yamaha de Jarno Saarinen em Brno.

Para 1973, muito trabalho foi concluído tornando os motores de 350 mais competitivos, e pensava-se que a líder da classe MV 350 tinha sido algo negligenciada a favor da sua máquina da classe rainha, dando assim à CZ alguma esperança de jogar à apanhada com a moto Italiana.

Um travão de disco e uma nova ignição electrónica Bosch foram montados na moto, mas era demasiado tarde.

A CZ tinha entretanto sido instruída para se concentrar nas suas motos de MX vencedoras, e deixar as corridas de velocidade para a marca irmã Jawa.

Stasa pediu para manter a maquinaria e as motos para desenvolver e competir com elas em privado, mas isso foi negado. Durante muito tempo, ainda aparecia em encontros de clássicas e é considerado um herói, tendo falecido em Maio de 2019.

Todas as V4 de fábrica foram condenadas a serem destruídas, mas como tantas vezes acontece com tais instruções, as peças foram simplesmente escondidas e até à data vários motores e das 4 ou 5 construídas, várias máquinas completas, uma vista aqui e pertencente a um colecionador do Reino Unido, sobrevivem intactas.

Se a CZ500 da fábrica checa tivesse sido devidamente financiada, então é provável que a MV Agusta não tivesse tido as coisas tão facilitadas durante o final dos anos 60 e início dos anos 70.

Se a CZ tivesse batido a poderosa MV no seu próprio jogo, quem sabe onde a marca teria acabado, mas não era para ser e em poucos meses o roncar das quatro tempos teve de dar lugar à nova ordem mundial das 2 tempos quando a Suzuki e Yamaha chegaram com os seus sofisticados motores multi-cilindro refrigerados a líquido e a CZ não era mais que uma página esquecida da história.

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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