As mais belas motos de GP, 26: A Vostok

Por a 14 Janeiro 2021 17:00

É um facto pouco conhecido que a URSS competiu em provas de Grande Prémio moto na década de 1960, com resultados melhores do que seria de esperar

“A três voltas do fim, e para espanto da multidão, as Vostok passaram o Campeão Mundial de 500cc Agostini numa curva lenta…”

Os soviéticos começaram a levar muito a sério as corridas de moto nas décadas de 1950 e 1960 com o design e produção da Vostok, e desviaram-se da norma dos motores normais bicilíndricos a dois tempos com uma série de motores quatro em linha  semelhantes a motos como a MV Augusta da época, mas de origem e design exclusivamente soviético.

Vostok significa nascer do sol em russo, nome que se tornou universalmente conhecido quando Juri Gagarin se tornou o primeiro ser humano a orbitar a Terra a bordo da nave Vostok-1 que bateu os americanos a colocar o primeiro homem no espaço.

A mais bem sucedida das motos soviéticas foi a Vostok S-364, uma tetracilíndrica de corrida de quatro tempos, com um motor de 350cc que se dizia produzir 59cv (embora isso fosse considerado um exagero) e ter uma velocidade máxima de 230 km/h.

No GP da Finlândia de 1964, uma Vostok chegou em terceiro lugar atrás das duas Honda de Jim Redman e Bruce Beale, um resultado que chocou o paddock, pois até esse momento as motos da URSS eram consideradas pouco mais do que lixo. Um ano depois, no GP da Áustria de 1965, Endel Kiisa, um Estónio, andaria em primeiro lugar na sua Vostok 350cc antes de uma falha mecânica o colocar fora da corrida a menos de um quilómetro do fim. Mais tarde, nesse mesmo ano, outra Vostok ficou em terceiro lugar, estabelecendo a marca como um concorrente sério no Mundial.

Infelizmente, no final da temporada de 1965, os soviéticos decidiram retirar-se das corridas internacionais de Grande Prémio, marcando o fim da estrada para a S-364, mas voltaram a juntar-se ao Mundial alguns anos mais tarde com uma Vostok de 500cc.

O Departamento Central de Construção e Experimentação foi criado em 1942 em Serpukhov, uma pequena cidade a 100 km ao sul de Moscovo, encarregado de investigação, desenvolvimento e produção de motos soviéticas.

Os modelos de corrida Vostok foram chamados simplesmente “S”, (ou “C” em russo), para Serpuhkov.

Depois da Guerra, a maior fábrica de motos do mundo da época, a DKW, ficou sob ocupação soviética e foi transportada para as fábricas de Izhevsk e Kovrov. Assim, a URSS recebeu todos os desenvolvimentos e resultados de investigação recentes na indústria de motos da época.

Como por essa altura os compressores foram proibidos, os designers fizeram uma nova linha de motores com todos os últimos desenvolvimentos na área: duplas cames acionadas por engrenagens cónicas, cilindros de alumínio com camisas de ferro fundido, cambotas prensadas, garfos de perne avançado, travões dianteiros duplos, quadros duplo berço semelhantes aos “Featherbed” e outros avanços.

No verão de 1957 estas motas apareceram pela primeira vez no Grande Prémio da Finlândia, impressionando os especialistas estrangeiros e a imprensa de motos. Um jornalista britânico da revista comentou que ninguém esperava que uma pequena cidade como Serpukhov fizesse motos de classe mundial com toda a mecânica feita na URSS.

Embora os dois melhores pilotos Sevastyanov e Kulakov não mostrassem bons resultados, as autoridades soviéticas estavam cheias de expectativas otimistas, declarando que iam fazer uma moto de classe mundial a par com os melhores exemplos da Itália, Grã-Bretanha e Alemanha.

O Ocidente tinha a certeza de que os desenvolvimentos mais recentes se estavam a infiltrar para o Leste, e no ano seguinte, foi assinado um tratado de cooperação com duas enormes fábricas da Checoslováquia: a Jawa e CZ.

Quase em 1960 foi feita uma nova série de motos de corrida, e a 11 de Maio de 1961, Nickolai Sevastyanov ficou em 3º lugar no Grande Prémio da Finlândia com uma S-360.

No ano seguinte, em 1962, no campeonato da Alemanha Oriental, os pilotos soviéticos foram 5º em 250 e 6º nas categorias de 350, o que não foi mau para uma estreia.

A coisa explodiu em 1964 quando um protótipo especial apareceu com Serpukhov nas corridas: a S-364 350 de 4 cilindros, 4 tempos equipada com motor de curto curso de 49 x 46mm, com DOHC e caixa de 6 velocidades.

A ignição era por magneto e bobina, e quatro carburadores de 30 mm (abaixo) forneciam combustível e a transmissão final era através de embraiagem seca e caixa de seis velocidades.

As primeiras Vostok usavam um quadro e unidades de suspensão das Jawa/CKB. O peso rondava os 130 Kgs com uma velocidade máxima de 230km/h.

Os bancos de ensaio mostraram uma potência de 59 cv às 13.000 rpm, enquanto os melhores concorrentes tinham 51 cv (MV Agusta) e 54cv (Honda).

Tanto Sevastyanov como Endel Kiisa desistiram durante a prova, quando os seus pistões se desfizeram, mas Sevastyanov ficou em 4º lugar na categoria de 500, com uma versão de 360 cc da mesma S-350 e Kiisa ficou em 3º lugar numa corrida do campeonato mundial pela primeira vez para a URSS.

Foi um crime investir dinheiro no desenvolvimento de motos de corrida e não apoiar financeiramente o programa de corridas, mas isso foi um paradoxo da burocracia soviética da época.

O quatro cilindros reapareceu novamente em 1965 na primeira ronda do campeonato, o Grande Prémio da Alemanha Ocidental em Nurburgring.

A equipa soviética chegou com um atraso de um dia e Endel Kiisa só conseguiu uma sessão de treinos.

Na grelha de partida, a Vostok recusou-se a arrancar, mas assim que pegou, Kiisa conseguiu lutar num grupo de privados para terminar em quinto lugar.

Num campo que incluía pilotos do calibre de Agostini e Hailwood nas MV Agusta de fábrica, foi um resultado promissor.

Apenas uma semana depois, o Grande Prémio da Áustria quase deu à Vostok o seu primeiro triunfo internacional, apenas para se retirar a apenas um quilómetro da vitória.

Antes do Grande Prémio da Alemanha Oriental, mais tarde nesse ano, foram feitas mudanças significativas na Vostok S-364. Foi utilizado um nova quadro baseado no Norton Featherbed, e a unidade de potência foi melhorada com uma nova cabeça de cilindro e um refrigerador de óleo montado em frente ao motor.

Infelizmente, ambas as Vostoks se retiraram da corrida da Alemanha Oriental, mas apenas uma semana depois, no Grande Prémio da Checoslováquia em Brno, Sevostianov assumiu a honra de um pódio em 3º lugar, atrás de Jim Redman numa Honda e Derek Woodman numa MZ. Foi o melhor resultado até agora para um piloto russo numa moto desenhada e construída na Rússia.

A Vostok competiu no Grande Prémio das Nações, em Monza, Itália, em Setembro, com Kiisa a terminar em oitavo lugar.

Houve, no entanto, um último viva para os pilotos de Vostok. Uma versão de 500cc da máquina de quatro cilindros tinha sido construída com a designação S-565 presumivelmente tornando-o um design de 1965, embora fosse baseado no modelo de 350cc.

Com um diâmetro e curso de 55 x 52mm para uma capacidade de 494cc, o motor produziu uns reputados 80 cv às 12.400 rpm. Pesando 155 kgs atingia os 250 km/h.

Havia algumas pequenas diferenças visuais da versão de 350cc com mais aletas para arrefecer os cilindros, um cárter mais fundo e mais reforços nos cárteres na parte da frente das cambotas, tudo paras evitar o sobre-aquecimento.

Em 1968, a equipa Vostok apareceu para o Grande Prémio da Finlândia, perto da fronteira soviética em Imatra.

Com a retirada de Honda e Mike Hailwwod do Campeonato do Mundo, assumiu-se que a corrida seria um passeio para Agostini e a MV Agusta tripla. Como se esperava , “Ago” assumiu a liderança com Kiisa e Vostok colados à roda traseira da MV.

A três voltas do fim, e para espanto da multidão, as Vostok passaram o Campeão Mundial de 500cc numa curva lenta, a primeira vez que uma máquina soviética liderou um Grande Prémio de 500cc.

Não foi para durar, com Kiisa (acima) a ter problemas de ignição e a retirar-se da corrida, mas Sevostianov salvou a honra da Vostok ao terminar no quarto lugar.

As máquinas melhoradas foram inscritas no Grande Prémio da Alemanha Oriental no Saschenring. Não era para ser uma boa ocasião para as Vostok. Durante a corrida molhada, Kiisa regressou às boxes para mudar uma vela de ignição, acabando no décimo lugar, enquanto o seu companheiro de equipa, o estónio Juri Randla, ficou em terceiro lugar, mas um problema de ignição e problemas de carburadores obrigaram-no a retirar-se. Sete dias depois, no Grande Prémio da Checoslováquia, ambas as Vostok se retiraram na segunda volta. Foi uma conclusão humilhante para um esforço que prometia mas foi derrotado pela falta de orçamento adequado para desenvolver totalmente estas fascinantes motos de Grande Prémio.

Para 1969 foram introduzidas algumas melhorias no S-565 Vostok, com uma nova cabeça de quatro válvulas e enormes travões de tambor instalados que foram desenvolvidos originalmente para a Jawa V-4 350cc de dois tempos.

Foi só em 1968 que a Vostok foi vista em corridas internacionais na Finlândia com a S-565 de 500cc, que no seu desenho se assemelhava a um modelo de 350cc, mas tinha um chassis mais resistente e 3 válvulas em cada cilindro (2 de admissão e uma de escape).

Kiisa liderou a corrida quase toda até que Giacomo Agostini assumiu o lugar quando Kiisa saiu de pista e Sevastyanov terminou em 4º lugar.

Foi a última corrida para as motos da URSS. Ninguém voltou a ver Vostoks até às corridas de clássicas na década de 1990.

Hoje em dia, uma Vostok-4 de Grande Prémio é uma moto muito rara, com apenas quatro Vostoks conhecidas, três em mãos privadas na Rússia, Letónia e Finlândia, e uma no Museu Barber, nos EUA (acima).

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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