MotoGP, 2020, Valência: A Yamaha, de candidatos a humilhados

Por a 11 Novembro 2020 15:00

Ao usar ilegalmente válvulas não homologadas, a Yamaha passou de  favorita ao título a desclassificada, com a sua reputação danificada

A Yamaha Motor não só perdeu as hipóteses de conquistar de novo o título mundial de pilotos de MotoGP e o campeonato do mundo de construtores, que tem sido dominado pela Honda desde 2015, como também provavelmente se meteu em problemas com os seus quatro pilotos e os seus managers.

O facto é que, devido à confusão com as diferentes válvulas usadas e subsequentes avarias, os pilotos da marca perderam muitos pontos e, assim, rendimento através dos bónus por resultados, que perfazem uma parte importante do rendimento de um piloto.

A Yamaha foi, no mínimo, desajeitada a lidar com este assunto. Em retrospetiva, teria sido mais inteligente não dizer nada, alegando que aguardava esclarecimentos do Japão no GP de Valência, a fim de ganhar tempo.

Em vez disso, Lin Jarvis, diretor-geral da Yamaha Motor Racing, teve de dar a cara pelos técnicos japoneses e acabou por fazer algumas declarações enganosas, ou pelo menos, económicas com a verdade.

“O nosso fornecedor habitual de válvulas, que usámos em 2019, informou-nos durante o planeamento para a temporada de 2020, em Julho de 2019, que iria parar a produção dos tipos de válvulas que utilizamos. É por isso que a Yamaha Japan comprou válvulas com o mesmo design e especificação a outro fabricante. A Yamaha Motor Company considerou que estas válvulas iriam cumprir os regulamentos.”

A análise das diferentes válvulas em Pádua, que chegou na quarta-feira da semana passada, expôs esta visão como um erro grave e levou às penalizações e deduções de pontos nos Campeonatos do Mundo de Marcas e Equipas.

A verdade é que a Yamaha instalou as válvulas do novo “fornecedor 2” nos motores novos, e as válvulas do “fornecedor 1”, com a especificação de 2019, no “motor de amostra” homologado. Ou seja, os motores usados diferiam do homologado para utilização em 2020.

A Yamaha sublinha que estas válvulas não melhoram o desempenho como tal, e isso parece plausível. No entanto, se melhoraram a fiabilidade, criaram uma vantagem. Com as válvulas homologadas e legais, a Yamaha celebrou um triplo sucesso com Quartararo, Viñales e Rossi no segundo GP de Jerez uma semana depois. E mais tarde Morbidelli, Viñales e Quartararo ganharam com ele.

Mas com as válvulas do “fornecedor 2” três motores rebentaram no GP de Espanha nos dias 18 e 19 de Julho.

É por isso que a Yamaha voltou atrás sem informar e instalou nos motores recém-selados para Jerez 2 as válvulas experimentadas e testadas do design anterior, que estava originalmente previsto para usar na segunda metade da temporada. Os motores ainda funcionais selados foram postos de lado.

Ao mesmo tempo, era necessária autorização para implantar as válvulas mais fiáveis do “fornecedor 1” nos motores que ainda não tinham avariado. Isto exigia a abertura dos selos, o que exigia a autorização dos outros cinco fabricantes, que, no entanto, não se pronunciaram.

No GP da Estíria, em Agosto, a aliança de fabricantes MSMA tomou conhecimento da existência dos dois fornecedores de válvulas diferentes. Por esta altura, os candidatos ao título da Yamaha, Quartararo e Viñales, já tinham conseguido três resultados sofríveis, enquanto no primeiro e segundo GP de Jerez garantiram uma dupla vitória.

De acordo com a Yamaha, em Jerez, tinham ordenado uma redução de regime de cerca de 500 rpm para poupar os motores e passar o resto da temporada com três motores, se necessário. Isto numa marca que já se queixava de falta de velocidade!

Julgando pela performance de Jerez, era assim, natural assumir que os pilotos da Yamaha iriam discutir o título entre si, mas em vez disso, nas três corridas venceram seguintes, Binder (KTM), Dovizioso (Ducati) e Oliveira (KTM).

A Yamaha conseguiu apenas um lugar no pódio através de Morbidelli (2º classificado em Brno), que na altura nem era considerado um candidato ao título!

Finalmente, a Yamaha admitiu que, de facto, não obteve o consentimento dos outros membros da MSMA para que as válvulas de dois fornecedores diferentes pudessem ser utilizadas.

Os engenheiros da Yamaha podem ter agido sem intenção maliciosa quando instalaram as válvulas não homologadas e ilegais em Jerez. Já o contrário não pode ser provado e na dúvida, decide-se a favor do acusado.

A falha maior foi na forma de lidar com a crise, em relação à informação dada aos fabricantes rivais e aos meios de comunicação social.

“Os dois tipos de válvulas são idênticos. Só o fornecedor é que é diferente.” (Isto é manifestamente mentira).

“As válvulas não homologadas só foram utilizadas no primeiro GP de Jerez.” (Isto é igualmente falso, pois um motor ilegal também foi usado por Viñales nos treinos para o GP da Estíria).

“Houve uma entrega de um lote de válvulas defeituosas e foi isso que causou os danos ao motor. Logo, agora, temos de mudar as válvulas.” (Não houve qualquer menção de um segundo fornecedor cujos produtos eram diferentes do “motor de homologação”).

Agora, depois de uma investigação numa instalação de testes independente, na Universidade de Pádua, sabemos que há diferenças na natureza da composição de titânio-alumínio e na dureza das válvulas. As válvulas usadas em Jerez-1 eram muito mais macias do que as homologadas, fala-se mesmo de uma diferença de 50%.

A Yamaha também disse em Valência que as válvulas ilegais só tinham sido usadas no primeiro GP de Jerez. Na realidade, voltaram a usá-las no motor de Viñales durante os treinos para o GP da Estíria.

A Yamaha admitiu, portanto, algumas das irregularidades apenas quando as alegações controversas já não podiam ser sustentadas, porque os rivais se começaram queixar, ou porque a Universidade de Pádua tinha determinado que os dois tipos de válvulas diferentes não podiam ser descritos como idênticos.

É quase certo que, após um tal escândalo, que os Japoneses tentam evitar a todo o custo, vão rolar cabeças na Yamaha Japão depois desta temporada.

A Yamaha goza de muita simpatia no Paddock como o segundo maior fabricante, ao contrário da Honda, que é tida como arrogante, mas quem não abre o jogo numa situação de crise perde muito da sua credibilidade.

Até agora, a questão de saber por que razão Morbidelli teve uma avaria motor no segundo GP de Jerez, quando as válvulas legais foram alegadamente instaladas na sua Yamaha M1, não foi esclarecida.

Os meios de comunicação tentaram esclarecer, mas durante muito tempo não houve informação tangível. Só foi sendo admitido gradualmente o que se tornara tão óbvio que já não podia ser encoberto.

À falta de factos credíveis, cresceram rumores e especulações, mas já na mitologia grega os portadores de más notícias é que eram decapitados, e não os culpados.

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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