Endurance, 12 Horas Estoril: O adeus de HansPeter Bolliger

Por a 28 Setembro 2020 15:00

Quando a bandeira xadrez deu por terminadas as 12 Horas do Estoril, encerrando a época de 2020 do Mundial de Endurance, fechou ao mesmo tempo um capítulo numa das mais importantes equipas privadas do paddock da resistência mundial, a Kawasaki Bolliger.

De facto, HansPeter Bolliger, da equipa homónima, tinha feito saber que esta seria a sua última corrida no Mundial e ia entregar o testemunho ao seu filho Kevin, até aqui mecânico da formação. Era imperativo registar 38 anos da Kawasaki Bolliger no Mundial e as palavras do seu criador, alcunhado “Hanpu”, que fomos ouvir:
“Desde que estou na Endurance, vi as motos passar dos motores a carburador às injecções, e depois a chegada da electrónica…

O progresso foi enorme, e eu tive que evoluir com as motos, como consequência, os orçamentos também tiveram que subir sempre, mas as motos de fábrica continuam lá à nossa frente, e apanhá-los continua a ser muito difícil, mas nós continuamos a progredir todo o tempo…
Comecei na Resistência em 1982, como piloto, foi em Barcelona, nas 24 Horas de Montjuic… Foi a única equipa de dois que terminou, e eu era piloto, mecânico e faz-tudo… Houve uma imagem que correu todos os jornais suíços de mim, a três horas do final, com as mãos ligadas e em sangue…

Depois de um dia para o outro, em 1992 parei como piloto, porque tive um grande acidente, quase perdi uma perna…

Ainda tinha um sonho de ir correr na Ilha de Man, mas decidi por mim próprio abandonar, depois de ter sido um piloto de reserva num Bol D’Or em que era o quarto piloto, acabei por deixar os outros pilotos correr sem mim.

Depois comecei a usar outros pilotos que conhecia e a gerir a equipa..

Ainda somos todos amadores, eu como profissão não tenho nenhum concessionário Kawasaki, como muita gente pensa, nem sequer trabalho em motos. Sou mecânico automóvel e como na Suíça trabalhamos 45 horas por semana, levanto-me todos dias às seis da manhã, volto para casa às seis horas e depois vou para a minha garagem trabalhar nas motos até quase à meia-noite.

É uma coisa completamente amadora e é assim que eu entendo o espírito da Endurance….
Ao longo dos anos passaram grandes pilotos pela minha equipa, recordaria o Roman Stamm, que nos deu bons resultados e pilotou para nós durante 15 anos… Depois o Horst Zaiger, e o Marcel Kellemberger,  que fez uma data de épocas também.
O segredo do nosso sucesso, não posso dizer, talvez porque temos uma grande experiência, sermos bem organizados e conhecemo-nos todos muito bem, há  muitos anos que somos os mesmos, e trabalharmos com uma família.

Depois, é a vontade de nunca desistir, por vezes podemos estar atrás, podemos ter contratempos, mas enquanto temos um motor a rodar vamos voltar para a pista e vamos acabar a corrida!

Apesar de já temos andado com pilotos bem conhecidos, não há estrelas é sempre a equipa, é sempre um triunfo coletivo.

Há equipas que abandonam porque tiveram uma avaria e já não lhes apetece andar, nós vivemos o verdadeiro espírito da Endurance…

Não chegamos ao fim do dia pegamos numa carrinha e vamos para um hotel, estamos aqui, ficamos no paddock, dormimos nos camiões…

Esta é, porventura, a maior diferença entre as equipas que são novas e nós, eles não aproveitam o ambiente da Endurance…
Quanto aos apoios, da Kawasaki Suiça não recebemos verba,  recebemos um Xis em peças, que é combinado previamente, e quando atingimos esse teto, a partir daí temos que pagar as peças… Depois, temos o Motorex, o óleo da Suíça que está connosco desde… praticamente toda a minha carreira, e tem óleos especiais para a Endurance e também para as clássicas.


Nesta época, o meu filho Kevin já começou a envolver-se mais na equipa, a puxar pelos galões, ele já tem muita experiência… Eu não vou vir mais às corridas, vou ficar na oficina. A nova Kawasaki que há de vir, sou eu que me vou ocupar da preparação… Até nisso somos como uma família, depois há um pequeno artesão em França a quem levamos a moto e nos tira as medidas e faz as carenagens depois a outro na Alemanha que nos faz o depósito e é tudo a correr, só isso já é uma corrida, para estarmos prontos para os primeiros testes em Le Mans no início da época…

Depois as peças especiais e o chicote elétrico, sou eu que faço tudo, mesmo os sistemas de destaque rápido para mudar as rodas mais depressa, não compramos nada, sou eu que faço tudo!
A minha vida nos circuitos vai acabar, ainda vou fazer clássicas, isso é outra coisa mas em termos de vir para as corridas de Endurance, acabou!

Quando muito se o meu filho precisar para os testes, porque ele não tem carta de pesados, poderei vir com ele guiar o camião…
Eu quando digo não, é não, não vale a pena uma pessoa discutir uma coisa comigo e vir daí a dois dias perguntar outra vez e esperar uma resposta diferente se eu já lhe disse que não… e decidi que ia parar com as corridas e vai ser assim!”

No final da corrida, “Hampu” foi chamado ao pódio, para receber o Troféu Anthony Delhalle, que premeia, justamente, o “Espírito da Resistência”…

Hanspeter Bolliger, ganhaste a tua reforma… vamos ter saudades tuas!

HansPeter Bolliger só fala o inscrutável Suiço Alemão, e esta entrevista exclusiva não teria sido possível sem a ajuda na tradução Português/Francês/Alemão do cronometrista da equipa Hans Mast… a ele o nosso obrigado também, bem como a S Valembois, autor da foto da equipa.

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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